Ir para conteúdo

Posts Recomendados

Bem, como este espaço é pra falar de tudo, trago para a turma uma das muitas experiências engraçadas e inesquecíveis que marcaram minha vida de pescador. Então lá vai:

Lá pelos idos de 1970, quem morava em Sampa tinha como destino obrigatório de pesca as represas que circundavam a Grande São Paulo. Dentre estas, a Billings se destacava por seu tamanho e pela fama de deter grandes estoques de tilápias do nilo. Quem se lembra, sabe que havia muitos pontos de pesca dispersos na rodovia que ia até o alto da serra, nem me lembro direito, mas acho que era a estrada velha de Santos. Numa oportunidade, começo da vida de pescador, fiz parte de um grupo de malucos que pretendiam pescar nas proximidades do km 42 da estrada. O planejamento era o seguinte: iríamos de carro até o 42, entraríamos de carro numa trilha à esquerda até onde desse, e de lá seguiríamos em fila indiana pela mata até encontrar a represa, e assim foi feito. Cada qual juntou sua tralha, e levamos uma lona para armar acampamento, já que pretendíamos voltar só no final do dia seguinte. Como sempre, caía a chuva miúda e persistente típica da região serrana, levando um tal de "seu" Pedro - já de meia-idade, a olhar para o céu e praguejar: "Ô São Pedro Filho de uma P...". A gente quase nunca sai de casa e quando sai você mete os pés no balde, P.. que o Pariu!

O resto da turma, 4 malucos, eu incluso, seguíamos andando em respeitoso silêncio, até que finalmente nos deparamos com a represa. Mata fechada, lugar muito isolado, parecia perfeito para uma excelente pescaria, mas nada disso. Logo de cara, o tal "seu" Pedro pisou em falso e caiu feito uma abóbora dentro d'água, molhando tudo, da cueca ao paletó que vestia. Socorremos o coitado, estendemos a lona e cobrimos as tralhas e a boia que levávamos. Como todo bom paulistano, cada um tratou logo de preparar as "armas" e e explorar a margem da represa na busca por um local promissor e sem concorrência, menos o velho, que tremia como vara verde, todo ensopado. Não demorou até que um maluco voltasse ao acampamento e desse uma grande notícia: havia encontrado uma enorme colmeia num tronco dentro d'água, cujo mel vertia às pamparras. Combinamos então que na semana seguinte voltaríamos preparados para retirar o mel. Ocorre que na comitiva havia um português, que trabalhava numa padaria em Santo André, que logo vaticinou; "que semana que vem nada! Vamos tirar o mel aqui e agora! " Antevendo que ia dar pra cabeça, me escondi rapidinho sob a lona, junto com o velho e assisti aos preparativos: capa de chuva, sacolas plásticas presas com elásticos cobrindo as mãos, galochas, uma faca e uma panela, e lá vai o português, seguido de perto pelo descobridor da colmeia. Fiquei a tudo observando por um pequeno buraco que havia na lona, e de repente meus temores se confirmaram. As abelhas conseguiram entrar dentro da roupa do português que, desesperado, abraçou o tronco e o quebrou, provocando um salseiro que jamais vi igual. Abelha pra todo lado, nego correndo sem rumo pela mata, até que o velho, curioso, resolveu levantar a aba do abrigo para ver o que acontecia, e aí as abelhas entraram e nos botaram pra correr também mata adentro. Passado algum tempo, respiração ofegante, olhos e ouvidos atentos, a mata silenciou. Alguém um pouco distante assoviou, e respondemos do mesmo modo, e fomos nos aproximando, até que todos estivessem reunidos, exceto pelo português, que ninguém vira nem ouvira. Decidimos então fazer uma varredura na direção em que ele correu, encontrando-o depois de algum tempo deitado de costas sobre uma moita de capim. Acho que desmaiara por conta das ferroadas que levou, foram 52 ao todo, e passamos um bom tempo retirando os ferrões das abelhas. Na verdade, ninguém escapou de tomar ferroadas, mas o português bateu todos os recordes. Depois dessa, resolvemos levantar acampamento e voltar para Sampa, cada um tomando o destino de casa, todo mundo ralado. Dias depois fiquei sabendo que o portuga havia sido internado para se recuperar, quase bateu as botas. Jamais soube de alguém que tenha voltado lá pra recolher as tralhas de pesca ou procurar os favos de mel. Melhor assim.

Como pescador, não posso nem jurar que os fatos narrados são reais, mas verdadeiramente o são.

Abraço do Gilbertinho

 

 

           

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

Mais um "causu" pra narrar pros colegas pescadores. Lá vai:

 Numa temporada que fiquei nas cercanias de Novo Airão, cidadezinha localizada na margem direita do do curso médio do Rio Negro, conheci muita gente, principalmente o pessoal dos estaleiros navais que haviam por lá. Como se sabe, Novo Airão congregava os melhores carpinteiros navais da Amazônia, tanto que o imortal (o cara não morre mesmo) Roberto Carlos mandou construir o Lady Laura I naquela cidade, lá pelos idos de 1980. Aprendi muitas coisas relacionadas à construção das embarcações de Itaúba Preta, madeira de excepcional maleabilidade e durabilidade no contato permanente com a água. Pra constar, assimilei o nome de áreas específicas e de componentes dos barcos aqui fabricados, tais como "Bailé de Proa ou de Popa" (são os tradicionais decks de vante e ré); o "Redondo" (estrutura em semi-círculo que circunda o comando do barco); o "Passadiço" (área de circulação de pessoas); o "Pavés" (peça horizontal que se estende pelos bordos); a "Escoa" (reforço interno longitudinal, fixado abaixo da borda do barco, sob o Pavés, que é o acabamento); o "Verdugo" (viga externa parafusada ao longo da lateral do barco, pouco acima da linha d'água, conferindo-lhe resistência mecânica); o "Jacaré" (viga interna que vai da parte final da sobrequilha até o final da popa, é onde é instalado o Pé de Galinha" dos motores de centro e o eixo de transmissão); os "Bracejames" (cavernas do barco) e, por último, o "Quebra-mar" (viga de madeira que une as laterais na proa e constitui parte estrutural importante do barco). Ufa!! Tem mais, porém de memória foi o que saiu.      

Voltando à narrativa central do causu, após o breve relato sobre as peculiaridades dos barcos amazônicos tradicionais, lembro de um cliente tradicionais desses estaleiros. Era o Moacir Fortes, um negão alto e forte, de meia idade e já grisalho, que trabalhava com o turismo de contemplação, recebendo sempre comitivas reais europeias e muitos outros governantes estrangeiros que queriam conhecer a Amazônia, pagando os pacotes a peso de ouro. Cada viagem abrigava comitivas de até 14 gringos. Moacir tinha alguns barcos com excelente acabamento, infraestrutura e serviços, todos numa média de 25/30 metros de comprimento. O nome genérico de batismo de seus barcos era "Cichla Ocellaris" (Tucunaré), todos pintados em branco e verde, e o que distingua um do outro eram os numerais romanos, de I a VI.

Bom de prosa e ótimo contador de histórias, com vastíssima experiência na navegação dos grandes rios da Amazônia, principalmente o Solimões, Negro e Amazonas e seus principais afluentes, levou-me a aprender muito das características de cada rio da região, por exemplo, quais tinham mais "pragas" (pernilongos, aqui chamados carapanãs, piuns, mutucões e morcegos hematófagos), a localização dos principais pedrais, os baixões de areia, quais as cidades ou vilas mais festeiras e as que tinham as garotas mais bonitas, mais "generosas", e boas de dança e cachaça, indo por aí afora. Uma verdadeira enciclopédia.

Perguntado dos locais recônditos bons de atracação (me interessava saber porque eu morava num pequeno iate de 16 metros e vadiava de um canto a outro), ele respondeu que praticamente todos os locais livres de pedrais e árvores altas eram bons para atracação, mas que ele tinha uma receita infalível para descobrir tais locais. Era assim: já no finalzinho das tardes, quando a gente procura um local seguro para se abrigar durante a noite, ele chamava um certo tripulante do barco, de prenome Zé. Aí perguntava a ele: "Zé, onde você acha seguro a gente atracar para passar a noite? Então o Zé, todo solícito, olhava com redobrada atenção ao longo das margens e vaticinava: "Seu Moacir, bem ali, ó. Não tem zebra! Então o Moacir mandava chamar o comandante e instruía: "Fulano, pode parar em qualquer lugar, menos onde o Zé mandou, porque é certeza que lá vamos topar numa pedra ou uma árvore vai cair em cima do barco. É sempre assim."

O interessante é que o Zé, caboclo humilde, "da beira", como a gente costuma chamar, não se chateava com isso. Ao contrário, sempre cumpria ao pé da letra o que o Moacir mandava nessas ocasiões. Não sei se a memória dele era muito curta, ou se levava na esportiva. Na dúvida, fico com a segunda opção, mas nunca soube se ele em alguma oportunidade acertou onde atracar, mas é certo que o Moacir nunca foi na dele.

Deixo um abraço a todos.

Gilbertinho   

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

Turma, aos 68 anos bem vividos na beira de represas e de rios, o estoque de causus engraçados e interessantes é um pouco amplo, sempre dá pra lembrar de mais um, o que agora faço, animado pela boa receptividade do que já contei. Vai então mais um, um pouco mais longo que os já narrados:

Em matéria de pescaria, cursei o ensino fundamental nas imediações de Sampa. Houve depois uma experiência (depois conto), que me levou a fazer o ensino médio da pesca em Mato Grosso, onde morei por 16 anos. Na atualidade, estou cursando a universidade aqui em Roraima, no meio da floresta amazônica. Só alcançarei o bacharelado da pesca quando bater as botas, já que a condição de PhD foi abolida em nosso sistema de ensino.

Mas o causu que quero contar ocorreu ainda na primeira fase, envolvendo a pesca de tilápia na represa Billings, coisa dos anos 1970, quando passei a integrar um grupo de pesca (se é que se pode chamar assim), formado por uma família de descendentes de italianos e um português da gema. Turma boa, tudo gente casada e com filhos, e eu constituía a única exceção, já que era jovem e solteiro. A regra geral era assim: todo fim de semana lá ia a comitiva para o Alto da Serra, de acordo com o local previamente escolhido. A tralha de cada um era praticamente idêntica: uma capa de chuva, um feixe de varas (caniços) de bambu paulista, um monte de anzóis e boias de pesca, um samburá e uma marmita repleta de comida, acompanhada de uma tampa de lata de graxa pregada numa tabuinha, onde se colocava álcool para esquentar o rango. Em relação às iscas, utilizávamos sempre três recursos: um belo feixe de erva-doce comprado no Ceasa na madrugada da pescaria, um feixe ainda maior de capim fino, cortado no capinzal marginal do Rio Aricanduva, na zona Leste de Sampa e uma generosa quantidade de minhocas escavadas na beira do mesmo rio. Geralmente, usávamos latas de leite Ninho, das grandes, com a tampa toda perfurada para evitar que as minhocas morressem abafadas.

Cumprido esse ritual semanal, certo dia entrou na história a figura do "seu" Albano, o português, dono de um jeep Willys fechado, que contratamos excepcionalmente para uma viagem, dado que a kombi do nosso transportador habitual estava pifada. Seguimos viagem, todo mundo apertado na pequena cabine do jipe, mas tudo bem, o sacrifício do desconforto valia a pena, depois de uma árdua semana de trabalho.

Chegando no local pré-determinado para a pescaria, geralmente nunca na beira da estrada, como muitos faziam naquela época (acho que hoje é ainda pior), cada qual escolhia seu ponto de pesca, guardando uma certa distância entre si. O velho Albano logo de cara reclamou que teria de passar o dia sem fazer nada, já que nunca havia pescado na vida e nem se interessava pela pesca. Resignado, aceitou um caniço que lhe foi oferecido e algumas minhocas para passar o tempo, tendo então capturado algumas tilápias, o que o fez pegar gosto pela coisa e levando-o a perguntar se viríamos novamente na outra semana, o que foi confirmado pela turma.

A italianada, que compunha o "núcleo duro" da turma tratou logo de se espalhar nos pontos escolhidos, onde passariam meio que isoladamente durante o dia. Na verdade, ninguém gostava que outro viesse xeretar no seu ponto, especialmente quando estava se dando bem na pescaria. Quando os peixes não queriam nada, tudo bem, aí as visitas e andanças pela beirada eram admitidas. Quem já pescou por lá sabe como éra: o cara fazia um belo feixe de erva-doce e capim, amarrava na ponta de uma vara bem comprida e a estendia perpendicularmente à margem. Daí as tilápias chegavam para comer da ceva, e o velhaco lançava o anzol recoberto com capim ou erva-doce e capturava o pobre do peixe. Adicionalmente, lançava também um anzol com minhoca, para garantir o máximo de capturas, afinal, o que a gente via e vivenciava era uma verdadeira competição, saber quem pegou mais e quem pegou o maior, fita métrica e balancinha de mola à mão.

Bom, pescaria encerrada, "seu" Albano, maluco pra voltar a pescar, todos dentro do jipe já planejando onde seria a pescaria da semana seguinte. Desta feita, uma advertência ao português: "seu" Albano, o senhor trate de cavocar minhoca na noite de sexta, e coloque-as numa lata de leite Ninho, do mesmo jeito que o senhor viu como a gente faz". O velho, incontinenti, assentiu. e o novo final de semana logo se avizinhou, todo o ritual em andamento.

Tralhas no jipe, todo mundo embarcado, lá vamos nós de novo para o Alto da Serra. Logo de cara, um cheiro desgraçado dentro do jipe. Alguém perguntou: "quem foi o lazarento que peidou ou fez coisa pior nesse abafado? Todos negaram a autoria. Outro disse: "então que cheiro de carniça é esse? Vamos procurar nas sacolas para ver de onde vem!" Não tardou para localizarmos duas latas de leite Ninho do "seu" Albano repletas até a boca de minhocas em putrefação. "seu Albano, perguntou alguém, que m...é essa?" Respondeu o português: "não sei, ralhos, peguei elas ontem à noite e até guardei na geladeira para não estragar!" É mole?, É, mas de vez em quando sobe, como diz o Zé Simão.

Latas e minhocas jogadas pra fora do jipe, seguimos até o destino, sem novos percalços. Chegando ao local pré-escolhido, a italianada, sempre esganada, logo se dispersou na busca pelos pontos favoritos, dando início imediato à pescaria. Dia ruim, nenhum peixe disposto a morder as iscas, todo mundo desconsolado. Tite, o italiano mais velho, mais briguento e mais temido dos irmãos, resolveu dar uma esticada nas canelas para ver como as coisas iam com o resto da turma. Chegando ao ponto de pesca de seu irmão Angelim, não encontrou ninguém. Deu uma experimentadinha pra ver se lá estava melhor de pesca, o que não se verificou. Daí resolveu esquentar a marmita na tampa da lata de graxa e almoçou. Terminado o repasto, veio a vontade de fazer o número dois, então limitou-se a entrar ligeiramente na represa, onde crescia um capinzinho ralo, virou a bunda para a represa, defecou e se mandou de volta. Não tardou, seu irmão Angelim voltou de uma incursão mal sucedida à procura de algum lugar que aparentasse ter peixe. Resolveu então esquentar a velha marmita, comeu, tirou a dentadura e agitou-a na água, espalhando a merda deixada por seu irmão. Aí a coisa pegou. Ao saber que foi o Tite que havia estado em seu ponto de pesca, passou a mão num facão de uns 60 ou 70 centímetros e foi para cima do irmão, que se mandou numa desabada carreira para escapar da punição. Depois disso, acabou-se a pescaria. Todo mundo de volta ao jipe, irmão de cara amarrada com irmão, até que o tempo curasse a revolta de um e a vergonha e o medo do outro. Dias depois, estávamos todos reunidos para discutir onde seria a pescaria da semana vindoura.

Esse é o causu que tenho a contar hoje. Os que tenho pra contar são todos verdadeiros, não ouvi de outros, vivenciei cada minuto.

Abraços, do Gilbertinho.                

      

Link para o comentário
Compartilhar em outros sites

Participe da conversa

Você pode postar agora e se cadastrar mais tarde. Se você tem uma conta, faça o login para postar com sua conta.

Visitante
Responder

×   Você colou conteúdo com formatação.   Remover formatação

  Apenas 75 emojis são permitidos.

×   Seu link foi automaticamente incorporado.   Mostrar como link

×   Seu conteúdo anterior foi restaurado.   Limpar o editor

×   Não é possível colar imagens diretamente. Carregar ou inserir imagens do URL.

Processando...
×
×
  • Criar Novo...