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  1. La Zona – para “El Rey” Por Rodrigo Delage De manhã, bem cedinho, o café era preparado e tomado às pressas para não perder a “hora boa”, barra do dia chegando... no céu, um alaranjado que lembrava o vermelho da barbatana do rei. O Velho Chico foi o quintal da minha infância e um molinetinho “Paoli Malcon” o mais precioso brinquedo que tive. Menino, me divertia com os douradinhos lá da Barra... mas nunca topei, naqueles velhos tempos, com um peixe grande nas minhas brincadeiras... O tempo foi passando e o surubim foi sumindo, pouco a pouco, do rio São Francisco. O dourado, todavia, resistiu... embora tenha sofrido os efeitos de uma forte pressão de pesca e de uma avassaladora pesca predatória, que diminuíam cada vez mais o seu tamanho, de maneira a tornar, nos dias de hoje, um exemplar de 5Kg um valioso troféu. A presença constante dos dourados sempre direcionou nossas pescarias nesse rio sertanejo à tentativa de capturá-los... os reis... fazendo com que seus segredos e artimanhas fossem sendo por nós aos poucos desvendados... O dourado sempre correspondeu, nos brindando com a sua beleza, nobreza e valentia. Predador por excelência, matador que desafia a todos e não se esquiva do seu instinto mesmo diante de redes, espinheis, tarrafas e toda sorte de armadilhas. Ao contrário de outros predadores que dependem de condições climáticas favoráveis para darem vazão ao instinto de caçador, o dourado, quando não está comendo, está matando. Quem é habituado à pesca desse predador já pode perceber situações em que o dourado não resiste em matar a isca, abandonando-a em seguida sem dela se alimentar. O que faz apenas em honra ao seu instinto de caçador e soberano das águas em que habita. Por isso tudo, ao rei sempre fizemos nossa reverência. Garimpeiros que somos do ouro que nada em nossos rios, e também passou a habitar as veias e artérias que o levaram ao nosso coração. Tudo isso nos conduziu a marcar, então, o grande desafio. Duelar com os maiores dourados do mundo. Mesmo que para isso, tivéssemos que sair de nosso país rumo à Argentina, para reconhecer o sucesso e a seriedade de uma política de preservação que poderia também estar sendo feita em nossas águas. Sugestivo o nome, cuja simples pronúncia já mexe com a imaginação dos aficionados pela pesca desse peixe... La Zona. Perímetro de 400 metros a jusante da hidroelétrica de Salto Grande, que represa as águas do Rio Uruguai, formando ali a área de caça dos maiores dourados do mundo. Playground dos sonhos de todo pescador e território onde esses predadores literalmente trucidam tudo que possa sugerir algum tipo de presa. Isca que me rendeu meu maior peixe da viagem, presenteada pelos amigos Arthur e Victor, da Pesca Pinheiros... Tudo certo. Íamos eu e meu irmão, Piti. Já há mais de 06 meses, a viagem estava marcada para o início de agosto. Mas como tem sido uma rotina quando se trata de pescaria, fomos assombrados novamente pelo fantasma do descontrole climático. As águas que devastaram o sul do Brasil em junho e julho (não me saia da cabeça a incrível imagem de uma vaca pendurada morta em cima de um poste pela força das águas do Rio Uruguai) haviam chegado a Salto Grande. Todas as viagens marcadas para o mês de julho foram canceladas e 10 dias antes da nossa pescaria não sabíamos se iríamos ou não. A informação era de que a usina operava com 11 vertedouros abertos... Até que veio a notícia de que as comportas tinham sido fechadas e havia condições de pesca. Uma semana antes de nossa data iria um grupo e a informação que nos chegou, após o retorno dos pescadores, era a de que a pesca foi bastante difícil. Normal para quem desde pequeno está acostumado a ouvir diversas “teses” para a falta de peixe... o imaginário do povo encontra explicação para tudo, quando a pesca é de peixe de couro, eles estão com o “bucho virado”, no tucunaré, é a maldita “água nova”, ou então a “choca dos filhotes”, além de, no geral, falarem da “lua fraca”, “água fria”, “água quente demais”, ou que a “água precisava estar mais suja” quando a água está limpa ou “água está limpa demais” quando não está suja. Até ouvir que as traíras não mordiam porque estavam na “muda de dente” eu já escutei! Mas depois de tanta água, havia um receio justificado... e, segundo informações dos operadores, talvez os cardumes, que desceram com o turbilhão anormal liberado pela usina, demorassem um pouco para subir de novo e se concentrar em “La Zona”. Contudo, a data estava confirmada. Vamos pescar! Lembrei-me de excelentes pescarias que fiz também nessas condições instáveis e atípicas. Algo me dizia que dessa vez acertaríamos... Tralha exigida ao extremo... ou melhor, além do extremo... Chegamos já de madrugada em Buenos Aires e fomos direto para o Hotel, afinal, no dia seguinte uma van nos pegaria e com mais 5 horas de viagem alcançaríamos nosso destino. Com a chegada da van, ficamos conhecendo a dupla que também pescaria no mesmo período conosco na pousada, também dois irmãos, Victor e Arthur Macedo, pescadores de mão cheia e proprietários da Loja Pesca Pinheiros. Empatia imediata. Antes mesmo de sairmos da cidade, já parecíamos velhos amigos, parceiros de muitas pescarias a compartilhar velhos “causos” e histórias. Viagem tranquila pelos estradões argentinos... apenas uma parada para abastecimento, aproveitando para uma rodada de cerveja em uma tarde de clima ameno com céu azul, sem uma nuvem sequer. No início da noite chegamos à pousada. Lugar muito bonito, com um serviço impecável e pessoas agradabilíssimas e preocupadas em nos atender da melhor forma... A expectativa da chegada em um local de pesca que ainda não conhecemos não tem explicação. A agitação de todos na montagem das tralhas e muita, muita ansiedade. Quando a gente vê não sabe se bebe, come, conversa, monta “tráia”, dá nó, faz líder, pega mais uma cerveja... e o sono que não vem de jeito nenhum. Com a chegada da madrugada a temperatura despenca... despertei com a leve claridade que começava a entrar no quarto. Afastei a cortina da janela e vi a barra do dia, o mesmo amarelo ouro da barbatana do rei a clarear o belo gramado da pousada, branco, recoberto totalmente de límpidos cristais de sereno. Amanhecer na linda sede da pousada... Na primeira manhã, iríamos pescar dentro da reserva, a ansiedade palpitava. Ao chegarmos ao porto, tudo estava envolto em grossa neblina, que dificultava identificarmos o que eram margens, águas e árvores... entramos no barco e começamos a navegar por um braço de rio que dá acesso ao caudal, sem entender bem por onde íamos. A neblina estava tão espessa que chegamos a pegar uma ponta de praia... e, ao olhar para o motor, quando este foi acelerado para desencalhar a lancha, pude ver ainda uma bela piapara, que descansava naquela rasura, saltar em fuga desesperada da hélice da embarcação. As paredes, pilares e pedras da usina apenas se delineavam em meio à neblina. O sol era uma roda esbranquiçada cuja luz e calor não eram suficientes para transpassar a espessa névoa... A impressão que tive era que estava dentro de um sonho, em uma espécie de área de transição entre o mundo real e uma terra desconhecida... que se descortinaria mais tarde na ponta de nossas linhas. Depois de um amanhecer completamente coberto, a neblina descortinou um céu azul O barco foi posicionado e começamos a arremessar as grandes iscas de fundo, em trabalho lento e contínuo, a espera do ataque do predador. A medida que o sol rompia a névoa, um lindo céu azul se descortinava. Começamos a ver inúmeros dourados que subiam à superfície expondo seus lombos alaranjados em dança recoberta de sutileza, que nos lembrou o movimento de subida dos golfinhos à tona para tomar respiração... Apesar da cena onírica que presenciávamos, nada de ataques em nossas iscas... o que nos causou apreensão, bem como ao guia Alejandro, que tentava insistentemente encontrar alguma isca, cor ou trabalho diferente para que pudéssemos despertar o ataque dos peixes. Em uma x-rap 30 pés, na cor “parrot”, tive meu primeiro ataque, sem, todavia, conseguir ferrar o peixe. Como é pesada a pegada desses monstros... a analogia que criei para representar esses ataques é a de alguém que arremessa uma isca artificial em um gramado e a vem recolhendo, sentindo as pontadas de quando a isca ameaça se prender na grama, que se equivalem às esbarradas que as grandes iscas de barbela dão nas pedras do fundo do leito, até que, de repente, um elefante surge do nada e coloca a pata sobre a isca. É mais ou menos essa a sensação... o que me levou a ter bastante dificuldade, como aficionado pela pesca do tucunaré açu, para “calibrar” a ferrada dos dourados na modalidade baitcasting com grandes iscas de fundo. Imaginem o que é trabalhar uma isca de 18 centímetros, 60 gramas de peso, nadando a 10 metros de profundidade até ser, literalmente, sequestrada nas profundezas por monstros de 30, 40, 50 e até 60 libras! O nosso primeiro peixe sairia apenas no final da manhã. Em um arremesso bem próximo à parede de um dos vertedouros, meu irmão ferra um dourado que salta desesperado logo em seguida. Por estarmos dentro de um turbilhão de águas, a lancha foi acelerada para fora da confusão para que pudéssemos trabalhar melhor o peixe. Pouco depois, tirávamos as fotos com um belo peixe de 20 libras, grande para nós, mas que o guia insistia em dizer que era pequeno... com o passar dos dias fomos perceber que dourado grande ou pequeno realmente é uma questão de referência. Meu irmão Piti, com o primeiro peixe... bonito para nós, pequeno para o guia Alejandro... E assim terminou nossa primeira manhã de pesca... Alejandro se mostrava preocupado com a escassez de peixes... algumas ações perdidas e apenas um peixe embarcado. Resquício ainda da cheia extraordinária, o rio estava cinco metros e meio acima do nível previsto para a época e as águas ainda estavam bastante turvas, isso para não falar da temperatura muito baixa. Nossos amigos Arthur e Victor durante o período da tarde também enfrentaram as mesmas dificuldades, tendo uma produtividade bem abaixo da que era prevista e esperada para aquele lugar fantástico. Se a pesca dentro da área de reserva estava ruim, fora dela não se pegava nada... a pescaria fora da reserva era regada de muita cerveja, acompanhada da boa prosa com o guia Natcho, gente fina! No dia seguinte, mesmo roteiro... Victor e Arthur pegaram alguns peixes pela manhã, mas tudo bem aquém do que é o “normal” para lá. De tarde, saímos para pescar com um tempo nublado, muito frio e uma chuva fina que às vezes caia intermitente... Piti pegou um dourado em torno de seus 4 quilos e eu peguei um peixe de uns 3 quilos. Tudo corria muito abaixo das expectativas. Para piorar, em um acidente com uma vara quebrada, a linha multi chicoteia tensionada sobre minha mão levando embora metade de minha unha do dedo anelar direito. Parar de pescar, nunca! Ainda mais naquele lugar... um pequeno curativo improvisado resolve. Já no final da tarde em um arremesso curto, próximo à parede lateral de um dos vertedouros, sinto uma esbarrada na isca, continuo recolhendo e o peixe segura forte, já bem perto do barco. Começo a labuta das ferradas, metade da vara emborcada para dentro da água, o peixe tomando linha e eu chasqueando, uma, duas, três, quatro vezes e nada de conseguir fazer o bicho descolar do fundo. Até que ele resolve subir e pula com o corpo todo para fora d´água a menos de dois ou três metros do barco. Vendo o tamanho daquele monstro, não consegui conter a emoção e gritei. A briga foi toda perto do barco e quando nos preparávamos para tentar embarcá-lo, o peixe ainda tira força para um último salto, pertinho da gente, quando pude ver nitidamente a isca ser sacada de sua boca... inacreditável... durante essa noite não dormi direito e a imagem do último salto que esse gigante deu perto do barco me vinha à mente toda vez que eu fechava os olhos. Alejandro chegou a dizer que poderia ser o peixe do ano da pousada, impressionado também com o porte daquele bicho. O jeito era esperar a noite passar... Na manhã seguinte, ao chegarmos à beira do porto, custamos a entender o que tinha acontecido. Todos, inclusive os guias e o pessoal da pousada, ficaram impressionados com a cena. Como por milagre, o rio baixara mais de 6 metros durante a noite! As margens daquele braço de rio onde se localizava o porto estavam todas descobertas, expondo uma lama escura que dificultava inclusive chegarmos ao barco e alcançarmos o leito do principal. A água anteriormente estava acima da tela de metal da passarela... Já na entrada da reserva a visão era impressionante. Completamente diferente do que vimos nos dias anteriores. Apenas para registrar, até então, não havíamos visto nenhuma cabeça de pedra a mostra no leito do rio e agora, para todo lugar que olhávamos, víamos pedras afloradas, grandes, pequenas, juntas ou espalhadas, enfim conhecíamos Salto Grande. Além disso, a água estava mais calma, por conta do menor volume, e mais “fina”. Enquanto registrávamos nossa entrada junto à fiscalização, já pudemos ver os dourados em frenesi alimentar, rabos e barbatanas alaranjadas rebojando por todos os lados, jogando peixes para o alto, bem como enormes cardumes de curimbatás... a água chegava a ficar escura... era muito peixe. Alejandro disse, hoje vocês vão conhecer o que é isso aqui! De início, já trocamos as grandes iscas barbeludas por iscas de meia água, como a super shad rap, e também zaras, hélices e popers. A altura do rio estava semelhante ao período seco, o que nos permitiu utilizar e capturar peixes em todas as variedades de iscas mencionadas acima. Era difícil um arremesso sem ação. Dublês eram uma constante... Tá melhorando... Gigante... Minha vez de abraçar meu monstro... Olhem a largura do corpo desses bichos... Peixes nesse porte eram comuns... Dublês ocorriam a todo o momento, e o melhor, não raro com peixes acima das 40 libras! Impressionante... nem sei quantos dourados pegamos e perdemos. No final da manhã, os braços estavam cansados de tanto tirar peixe, convidamos também o Arthur para encerrar o período conosco para aproveitarmos ao máximo aquelas condições extremamente favoráveis. O tempo foi abrindo até que terminamos a manhã pescando sob um céu absolutamente azul. Fim da manhã com céu azul e monstros na linha... No período da tarde, o Victor e o Arthur voltaram à reserva e os peixes continuavam enlouquecidos, sendo coroado o dia com a captura pelo Victor de um verdadeiro monstro de 58 libras!!! Sensacional!! Victor, com Sua Majestade El Rey... No dia seguinte, apesar do rio mais alto, os peixes continuaram a se alimentar furiosamente. De novo a rotina de muitas ações, dublês, peixes que sequer conseguíamos descolar do fundo e vários monstros embarcados. A imponência, de mais um gigante e da barragem de Salto Grande... No fim da manhã foi a minha vez de ser convidado pelos amigos Arthur e Victor para compartilhar a lancha com eles. Espetacular! Fica aqui o meu agradecimento aos amigos. Em meio a um dos frequentes frenesis alimentares, arremessei uma magnum que foi violentamente atacada. O peixe, de imediato começou a saltar seguidamente, expondo seu enorme tamanho e levando o coração a querer saltar pela boca... tivemos que ir com a lancha em direção ao peixe para que pudéssemos ter condições de trabalhá-lo. Era um exemplar com cumprimento extraordinário para padrões locais... um peixe esguio, estreito e enorme, e acho que por isso, extremamente forte. Para conseguir embarcá-lo usamos uma espécie de maca que eles costumam utilizar por lá... peixe lindo, que ficará eternamente em minha memória! Quem vai encarar essa boca? Meu maior peixe... comprido e esguio para os padrões de lá... brigou demaaais! A tarde, com meu irmão, persistiam as capturas... eram tantas e tão grandes os peixes que, para se ter uma ideia, não mais tirávamos fotos com dourados abaixo de 35 libras... credo! Compreendemos que, realmente, o conceito do que seria um dourado grande depende sobremaneira da referência ou, como disse o Alexandre da Pesca&Prosa BH, que viabilizou nossa ida para lá, existem os dourados e os dourados de La Zona. Sentíamos realizados... enfim se dera o encontro com os gigantes... à medida que a tarde avançava, o céu foi ficando nublado e a temperatura foi caindo... juntamente com as ações dos peixes... no fim da tarde, a paisagem novamente se aproximava do que vimos no primeiro dia, junto com uma chuva fina a neblina começou a envolver aquele cenário, como se novamente chegássemos, agora para fazer o caminho de volta, àquele portal que nos levaria de novo ao mundo real... deixando pra trás a terra encantada dos monstros dourados... Até a próxima, Majestade... Tralha utilizada: Tentei adaptar a tralha que uso na Amazônia, para a pesca dos açus e quase pus a minha pescaria a perder... A tralha amazônica pode até funcionar na pesca dos exemplares menores de dourados, com iscas de superfície em época distinta da que eu fui, mas é inadequada para a pesca de bait com iscas enormes de barbelas longas para trabalhar em grandes profundidades... O conjunto que me salvou, apesar de subdimensionado para lá, foi uma vara com blank Pacific Bay de 30 lbs e 5.7' e uma carretilha Daiwa Millionaire CVX 200, abastecida com linha samurai 70 libras. Tive alguns blanks quebrados como se fossem palitos de fósforos. Para quem for, aconselho que utilizem varas longas (entre 6.5' e 7') e blanks parrudos (em torno de 30 lbs) que sejam resistentes independentemente do peso (não precisam ser leves como se busca na pesca amazônica, tem que ser mais grossos, resistentes para a ferrada). Carretilhas de alta velocidade de recolhimento também foram um problema... causando frequentemente o "encavalamento" da linha... Grande abraço a todos!
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